Coisas de pai

Fui visitar meu pai esse final de semana. Cheguei lá em plena sexta-feira, no meio da tarde e reclamando que peguei chuva no caminho. Ele abriu um sorrisão, daqueles que ocupam o rosto inteiro, que vai de orelha a orelha e me disse que o dia hoje tava bom, hoje não tinha chovido tanto quanto ontem e eu tava lá.

 
Buscamos minha irmã no colégio e fomos pra casa. Enquanto ainda estavámos colocando a mochila pra dentro e nos organizando dentro da casa, meu pai, misteriosamente, já tinha trocado a roupa para uma mais confortável, adentrou o quarto perguntando se eu queria pão de forma ou francês e com queijo ou sem, pois a minha irmã só come francês e sem, enquanto ele prefere pão de forma. Fomos para a cozinha para preparar os pães. Vejo meu pai colocando dois pães franceses na misteira, um com queijo e outro sem, e falou com toda a naturalidade do mundo “vou fazer o de vocês primeiro, um de cada, enquanto isso vocês preferem leite ou suco?”. Ele só se alimentou depois que estávamos comendo e bebendo pela segunda vez.

 
Terminamos nossas refeições com calma, e ele já estava lá fora varrendo a varanda, pois teria aula dali a pouco naquele local. Só aí me caiu a ficha de que o tempo todo ele estava agilizando o que podia pra dar tempo de fazer nossas refeições, juntos, para depois ele ir arrumar tudo que precisava para sua aula. Mesmo que ambas, eu e minha irmã, já tenhamos idade suficiente para preparar nossas próprias refeições.

 
No sabado, minha irmã tinha uma feira de conhecimento para apresentar na escola, era necessário estar lá as 12h50. Meu pai, sabendo que não daria tempo de fazer tudo em seu cronograma de sabádo, excluiu sua caminhada matinal. Dessa forma seria possível arrumar a casa, ir ao centro arrumar o telefone da minha irmã, fazer o almoço e irmos à feira. Mas não era qualquer almoço. Eu estava ali, então ele precisava fazer minha comida favorita, a galinhada dele. De repente ele parou e falou “ué, mas eu nem te perguntei se é isso que você quer comer, no que eu tava pensando?”.

 
Na correria toda que foi a manhã, esquecemos de olhar o horário que terminava a feira. Pela coincidência, terminava no mesmo horário que eu tinha que voltar pra casa. Na hora que percebemos que não daria tempo de voltar em casa, já estávamos um pouco fora do nosso cronograma. Mas meu pai fez questão de arrumar para viagem duas vasilhas do doce de tamarindo que ele havia feito. Eu lhe disse que uma era suficiente, ele me olhou com a cara de pasmo dele e disse “claro que sei que uma é suficiente, leva a outra pra sua sogra, deixa ela experimentar, está gostoso, eu que fiz!”.

 
Ficamos juntos por pouco mais de 24 horas, e as preocupações foram sempre as mesmas: se estávamos confortáveis, alimentadas, felizes.

 
Eu agradeço por toda a criação que eu tive (e ainda tenho) e que sei que minha irmã tem. Ele se desdobra, se esforça para nos manter bem, e hora nenhuma ele mostra o tamanho do esforço que é para ele fazer todo o malabarismo que ele faz. É necessário observar de perto para ver.

 
Esse homem me fez ser uma pessoa melhor, sua criação me mostrou que existem coisas na vida que devem ser priorizadas sim. Não existe um momento em que não sinto que somos uma família unida e feliz, mesmo morando em cidades diferentes.

 
Obrigada pai!

Conexões

Hoje eu senti remorso, o pior de todos.

Daquele que suga sua alma e você sente nada além de frio.
Remorso de todo mal que te fiz. De todas as vezes que usei seus erros como alimentos para meus demônios. De todas as vezes que não consegui controlar os pensamentos destrutivos e mais uma vez dominei a arte da autossabotagem.
Falei coisas para você sem perceber que eu sou mais intensa em gritar seus erros do que em elogiar cada momento de vitória que você teve (e olha que não são poucos esses momentos).
Me senti podre, contagiosa.

E quando conversamos ontem, eu vi todo o dano irreversível que fiz a você. Tive noção do tamanho das feridas que te causei.
O tempo todo eu estava pensando em mim e chamando você de egoísta.
Sei bem das minhas falhas, mas ignorei a maior delas. E sinto que ao invés de te ajudar a sair do buraco, eu te ajudei a cavar mais e mais.
Passou da hora de deixar os demônios para trás.

Passou da hora de olhar para o passado e ver somente as coisas boas e projetá-las para o futuro com peso real no presente.
Acredito que somos feitos para fazer a diferença (positiva) na vida das pessoas. E boa parte das vezes não é com esse pensamento que tratei essa relação com você.
Hoje eu abro mão de meus demônios, eu abro mão de meus sentimentos sombrios e eu prometo fazer tudo em meu poder para ser uma conexão com a luz e não com a escuridão.

De todas as dores, a maior

No inicio era só eu.

E o eu era o suficiente. Eu não precisava de mais nada do que aquilo, eu já tinha aprendido as minhas linhas, já tinha aceitado meus limites, já tinha entendido que aquela hora não era o hora.

Eu esperava a pessoa certa para aquela hora. E eu não esperava com ansiedade, isso não era uma preocupação. Era como acordar com o tempo nublado, ter toda a certeza do mundo que vai chover e não se preocupar com a hora que a chuva vai cair. Você espera que a chuva venha, mas não é uma preocupação. Quando ela chegar, você sabe que vai ir lá fora sentir as gotas no seu rosto e brincar de pisar em poças.

O eu já era caótico, mas para esse ponto, ah!, não era necessário se preocupar.

E então, o eu conheceu o você.

Um você não tão simples quanto aparentava. Com essa pose de pessoa sábia, cheia de experiência, calma e controlada. Cheio de histórias para contar e cheio de esperanças de que alguém, enfim, gostaria de ouvi-las.

Assim começou, com uma simples aposta sobre algo que não se deve ser apostado. Até que sentamos e passamos a noite dividindo a mesma cama, com uma inocência de dois amigos, que não se encontra há anos e tem uma vida de coisas para contar.

Como se aquela fosse a ultima noite de nossas vidas e antes que o mundo acabasse, você precisava falar sobre as suas experiências e o quão ruim elas foram. Eu estava ali, e tentava entender cada palavra que saía de sua boca. Você estava em busca de um final feliz, você precisava mais do que tudo dele.

E eu… eu já tinha vivido coisas ruins, e aprendi a não falar delas, a esperar que elas passem, a não receber o olhar de pena dos outros. Aprendi a deixar elas pra mim e fazia questão de lembrar dos momentos maravilhosos que eu havia passado, dos amigos que tinha, de toda a diversão.

Eu aprendi tudo sobre você, e começou aquela noite.

Com o passar do tempo, com a convivência, ficava cada dia mais fácil ler suas expressões, entender suas dores, conhecer as histórias por trás de cada cicatriz.

Aquela calma foi consumida por ansiedade, preocupação, paranoia, por criar cenários de todas as possibilidade que havia ali. E a espera pela chuva se tornou algo necessária, a preocupação numero um, a prioridade de tudo.

Ao conhecer você e ao ouvir seus momentos mais trágicos, ficou nítido a esperança apagando cada vez mais após cada uma das situações que você passou. Toda vez que você pensou “agora vai”, o que ia na verdade era uma paranoia, ou uma mudança para o outro lado do mundo, ou morar em outra cidade.

Vi você se machucar por não saber lidar com o que sentia, e vi o mesmo acontecer comigo. Você não estava pronto para isso, não mais. Você esteve pronto a sua vida inteira, mas a energia já tinha se esgotado. Essa foi a unica parte que você não me contou.

Naquele momento, você tomou uma decisão na tentativa de se sentir bem. Você decidiu dar uma pausa, se repaginar, esperar a chuva sem preocupação, e curtir a vida. Você queria novas experiências, novas pessoas, novas percepções, reviver seu ego e por uma vez, apenas viver sem ter aquilo como sua prioridade.

Naquele momento, eu decidi que eu estava pronta para aquilo, que a chuva ia cair dessa vez e que eu queria ter aquela experiência com você. Aquela era a pessoa certa e a hora certa. Ah, nossa! Mas eu nunca estive tão errada sobre o timing, sobre o momento.

Enquanto eu conhecia cada parte de você, com uma lista de mudanças, te conheci, da cabeça aos pés. Sabia todos os gostos, quais filmes favoritos, a cafeteria que se tornaria nosso lugar, o festival que se tornaria nossa tradição… Estávamos em paginas tão diferentes.

Chega a ser irônico dizer que eu te conhecia cada parte de você e ainda assim me deixei machucar tanto. E foi exatamente isso que eu fiz. Silenciei meus sentimentos que diziam que eu podia ter mais do que aquilo. Fiz vista grossa pras suas saídas no meio da noite, pras notificações no seu celular, para as outras que entravam e saíam da nossa casa.

Eu fiquei ali e chamava isso de momentos ruins, onde eu que já tinha te machucado muito, precisava entender que você tinha suas necessidades e que, como uma vez dita, eu não era nada na sua vida.

Dividimos uma cama, um sofá, um carro, uma casa, momentos maravilhosos, memórias aterrorizantes, medos, sonhos. Fizemos de um parte do outro. E usamos essas fraquezas que nos foram confidenciadas em momentos íntimos, em armas nas discussões.

Então, em um momento decidimos colocar um ponto final nessas tormentas e ficarmos na mesma pagina. Me lembro como se fosse hoje no café da tarde, quando você me buscou e em uma conversa mais simples e comum, você perguntou se eu queria fazer de “eu” e “você” um “nós”.

O mundo não era mais o mesmo. A calma tomou o lugar da ansiedade que antes me consumia por não saber como estávamos. A partir dali eu acreditei que tudo ia ficar bem, e que o passado, as dores, os sofrimentos se tornariam aprendizados. Eu acreditei que você estava pronto e eu estava pronta, que toda a parte ruim estava pra trás.

Até que o passado, as notificações, as saídas não estavam no passado. Elas estavam presentes ali, no nosso dia a dia, na nossa rotina, no nosso cantinho.

Eu mudei tanto, eu me recriei, aprendi a ter paz e a ser seu descanso. E então eu percebi que eu já não era eu mais. Eu fui lavar meu rosto, e a pessoa no espelho eu não a conheço. Eu não sei seus gostos mais, ou seus filmes favoritos, eu nem sei se ela gosta de café e se ir a festivais é um bom programa.

Quando voltei pra cama e olhei pro lado, olhe pra você, também percebi que não te conheço mais, não sei seus gostos, não saímos tanto então não sei seus lugares favoritos, não assistimos mais filmes juntos, compramos uma cafeteira, não precisamos mais ir à cafeteria.

Ontem eu senti uma dor horrível ao perceber isso. No inicio era eu, viramos nós e hoje não sei quem somos.

 

Cantos e vestígios

u16

Há vestígios de tudo que passamos esparramados ainda pelos cantos da casa.

Às vezes é como se tudo que lutamos para melhorar, fosse embora correndo de um pesadelo que ainda me consome viva. Estamos juntos, e tem horas que parece que a batalha árdua que vivenciávamos há meses atrás continua em uma eterna perseguição para descontruir toda confiança que já existiu.

Nenhum dos dois foi santo, e nenhum é cem por cento vítima, do mesmo modo também não somos culpados por inteiro. E ambos convivemos cada qual com seu passado e seus monstros.

Eu gostaria de ter a habilidade de alimentar tantos momentos bons com memorias boas do mesmo modo que faço para me manter em um extremo de auto piedade e necessidade de atenção, a todo momento a relembrar coisas que deveriam estar em uma gaveta especial. Daquelas gavetas que todos nós temos, que colocamos as meias que perderam os pares, o relógio quebrado, coisas que sabemos que não vamos mandar para o conserto, mas que também por uma razão que não sabemos explicar, mantemos tudo dentro daquela gavetinha.

Aparentemente as coisas funcionam desse jeito comigo, ou melhor, eu faço elas serem assim.

-DF

SOBRE CASAS QUE MOREI – 1

Lembrei ontem, enquanto estava deitada na cama postergando a hora de me levantar, das casas que marcaram minha vida. Foi uma sensação diferente, que há tempos eu não sentia: nostalgia de coisas boas.

Deitada, ao observar o céu azul manchado de branco, me lembrei da primeira casa que morei e de momentos que passei nela. Como era bonito e charmoso o meu quarto, enquanto eu estava na minha caminha forrada de colcha rosa cintilante, meu quarto pintado de rosa bem claro com uma faixa no meio da parede com desenhos de cavalinhos de madeira, e meu pai esperando eu terminar de tomar meu leite para ir dormir. A mesma casa em que, nos fundos, papai sentou-se na mureta para olhar o desenho que eu havia feito em um papel branco com tintas de uma aquarela infantil que ele comprou pra mim, sem perceber que sentou em cima dos óculos e os quebrou. Como sempre, ele deu risadas para tentar consolar meu desespero e culpa.

Nessa mesma casa, eu e meu irmão tivemos a famosa briga do sofá. Ele queria assistir Cavaleiros do Zodiaco, e eu Malhação. Uma TV, 2 crianças, 2 programas distintos, só podia dar errado. Começou com a roubada básica do controle remoto, como reação veio um tapa na mão, que passou a um soco e uns tapas mais fortes, até virarmos o sofá e cairmos no chão.  Nunca mais falamos sobre essa briga, ou de TV, ou de desenhos.

Ah! E as tardes de sábado que tirávamos para “dar uma geral na casa”!? Não gostávamos muito de ter que organizar nossos quartos, nem de guardar nossas roupas, mas a recompensa vinha cheia de sabão e agua quando íamos lavar a garagem. Essa nós fazíamos conta de limpar, jogávamos bastante sabão no piso, encharcava de agua e dá-lhe espumas, depois era só cair de barriga e brinca de escorregar.

Me recordei da intensidade de cada cor dos quartos e das aquarelas que eu tanto gostava, foquei nos cheiros do sabão em pó que usava para a garagem que era o mesmo que mamãe usava para lavar as roupas, experimentei os detalhes de cada pedaço de memoria que estava alocado em um local escondido de mim. Usei desses artifícios para escrever, e usei do escrever para não me entregar a outra crise de ansiedade.

 

Entra a morte

Primeiro você achou que era o tempo
Que me deixaria sozinha naquela hora
Eu, docemente te expliquei que isso não me incomodava.

Era bom fazer parte do seu mundo
“Quando eu estou aqui e você está lá,
Por mais inacreditável que seja,
Eu me sinto do seu lado, junto com você”
Foram essas palavras que lhe disse

Logico que você adorou a ideia de não ter que abrir mao de algo para que eu continuasse ali
Mas aí é que está.
Eu realmente não me importo com quantas partidas rolam.

Só que eu ainda me lembro de modo bem claro
Quando você morria de um lado,
Olhava e vinha me beijar rapidinho
Eram aqueles poucos segundos entre a morte e o renascer do seu herói
Que mantinha minha heroína (alma) feliz.

Até que um dia você parou.
E trocou nosso beijo pela verificação.

Fica essa noite

Ultimamente, as coisas não vão muito bem.
Eu estou acumulada de afazeres.
Assim como você.
Parece que a gente esta ficando para depois.
Não é isso que eu quero, então, mesmo no extremo cansaço,
Me arrumo e vou te encontrar.

Acho que você não tem noção da falta que faz
Eu quero seu abraço terno, seu beijo irresistível.
Quero dormir com você de verdade.
Não como se houvesse 15 milhas dentro de uma cama.
Sinto falta de você, de todas as maneiras possíveis.

Tudo vira desculpa pra te encontrar.
E eu sei que estou errada, mais do que o normal.
Só que a minha vontade de fazer a gente dar certo é maior.
Eu vou pedir mais desculpas e eu vou fazer mais.

Você merece o melhor de mim
De todos, você merece mudança.
Do meu drama, você merece carinho.
Do meu choro, você merece cuidado
Do meu amor, ele merece você.
Ele foi feito pra você.

Agora, depois de se aliviar.
Eu te peço desculpas.
E, por favor, fique por perto.
Não só essa noite.

Ily.

Breve relato do samba

Imaginou como seria se tudo não estivesse borrado no inicio. Se ela tivesse sido legal, menos arrogante. E hoje em dia, menos egoísta. Seria assim. “Se naquele dia você foi tudo e fez de mim um anjo”. Um domingo de manhã, o sono já havia escapado, ela resolveu fazer algo para comer enquanto ele dormia. Pouco depois ele acordou e encontrou-a cantarolando e dançando desajeitada ao som de Jorge Ben. Rodou para um lado, deu uma sambadinha que era horrível porque não sabia sambar, mas que era linda porque acompanhava o dia. Acabou nos braços dele. E, ah!, como o domingo estava perfeito.

Defeito

Ou eu dou um jeito de melhorar
Ou continuarei a odiar o reflexo do espelho
Ninguém precisa de alguem assim
Alguém que não sabe o que faz, não sabe quando faz
Só sabe o que quer e a merda que faz.

É como um brinquedo que você tem
Por mais que goste dele, se ele veio com defeito,
Uma hora você vai se irritar com aquela coisinha
E o brinquedo vai ser esquecido.

E vai ser assim.
A diferença é que o brinquedo não se arruma sozinho.
O ser humano tem a capacidade de mudar.
Pelo menos tem a ânsia.
O que não é muito, mas já é algo.

Deixe que deixo

Me olha com carisma
Com jeito de quero mais
Esclarece minha mente
Conforta-me com uma carícia
Me chame pra sair, ou pra ficar
Pra viver ou pra sonhar

Tenha em ti o que admirou em mim
E permita que eu lhe mostre isso.
Mantenho um sorriso ao te ver dormir
E anexo em mim o que te faz sorrir

Comece de onde eu termino
Deixe que a dor vire rosas
Deixe a tristeza esvair por ora
Deixe que eu fique
Deixe estar.